Rosana Zakabi
1 PAUL CÉZANNE (1839-1906) |
Os manuais de auto-ajuda se incorporaram à vida moderna tanto quanto os telefones celulares ou a internet. Cada vez mais gente encontra inspiração em seus conselhos para perseguir uma vida melhor, seja do ponto de vista material, seja do espiritual. Na lista dos livros mais vendidos de VEJA, os títulos de maior sucesso ensinam a ficar rico em pouco tempo, a atrair a sorte para si próprio e a galgar degraus no trabalho rapidamente. Se todos os títulos de auto-ajuda fossem colocados em uma centrífuga, o conselho fundamental que daí resultaria seria: goste de você, tenha confiança em si mesmo, acredite em sua capacidade. Em resumo: preserve sua auto-estima. Os psicólogos são unânimes em afirmar que a auto-estima é a principal ferramenta com que o ser humano conta para enfrentar os desafios do cotidiano, uma espécie de sistema imunológico emocional. Ela determina, em última análise, a forma como nos relacionamos com o mundo. "A pior desgraça para nós é desdenhar aquilo que somos", escreveu ainda no século XVI o filósofo francês Michel de Montaigne. Resume o historiador inglês Peter Burke: "A auto-estima é o conceito mais estudado na psicologia social, e há um bom motivo para isso. Ela é a chave para a convivência harmoniosa no mundo civilizado".
A auto-estima é vital não apenas para as pessoas mas também para as famílias, os grupos, as empresas, as equipes esportivas e os países. Sem ela, não há terreno fértil para as grandes descobertas nem para o surgimento dos líderes. Quem não acredita em si mesmo acha que não vale a pena dizer o que pensa. Desde o início da civilização, o mundo é movido a pessoas que confiam de tal forma nas próprias idéias que se sentem estimuladas a dividi-las com os outros. Isso vale tanto para cientistas quanto para poetas, tanto para artistas quanto para políticos. O filósofo grego Aristóteles já observava que a esperança e o entusiasmo, juntos, formam a centelha da autoconfiança, sem a qual os jovens não teriam futuro.
Antigamente, acreditava-se que o grau de auto-estima de uma pessoa era determinado na infância e se preservava intocado ao longo da vida. A boa notícia é que, nos últimos anos, a psicologia derrubou essa teoria. Hoje se sabe que é possível desenvolver a auto-estima em qualquer idade e mantê-la elevada para sempre. O sucesso dessa empreitada depende não apenas da visão que se tem de si mesmo, mas também da avaliação que se faz da sociedade em que se vive. Em 2004, três estudos da Universidade de Dakota do Norte, nos Estados Unidos, envolvendo 257 estudantes, constataram que os mais pessimistas, que tinham uma percepção negativa sobre diversas atividades do local em que viviam, também eram os que apresentavam a pior impressão de si mesmos. "As pessoas que aprendem a adequar sua maneira de agir aos valores da sociedade em que vivem são as que possuem auto-estima mais elevada", disse a VEJA Shinobu Kitayama, professor de psicologia da Universidade de Michigan e autor de um estudo comparativo entre a auto-estima de americanos e japoneses.
As pesquisas mais recentes sobre auto-estima apresentam outras duas novidades. A primeira é que é possível ter auto-estima alta e baixa que se alternam. "Um indivíduo pode ter confiança plena em si próprio no ambiente profissional, mas se sentir a última das criaturas no âmbito pessoal, e vice-versa", disse a VEJA o psicólogo Daniel Hart, da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, que detalhou essa teoria em um artigo do livro Self-Esteem: Issues and Answers (Auto-Estima: Casos e Respostas), lançado no ano passado. "Isso indica que, para aumentar a auto-estima, não basta apenas ter pensamentos positivos generalizados. O ideal é concentrar-se nos pontos fracos que podem ser mudados e melhorados", observa Hart. Uma pesquisa feita há três meses pela Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, concluiu que um grupo de mulheres que implantou silicone nos seios teve sua auto-estima elevada no que diz respeito à sexualidade. Em outras áreas, como desempenho profissional e satisfação no trabalho, a cirurgia não surtiu efeito algum. Ou seja, se o problema da auto-estima é na carreira, de pouco adianta melhorar a aparência física.
A segunda revelação da psicologia no terreno da auto-estima é que algumas das características que a compõem podem ser hereditárias. Essa descoberta enterra definitivamente a noção de que a auto-estima é formada apenas durante a infância, em casa, por influência dos pais. Recentemente, um grupo de psicólogos da Universidade de Southampton, na Inglaterra, fez uma revisão dos principais estudos já conduzidos sobre a relação entre a auto-estima e os fatores genéticos. O trabalho foi publicado no European Journal of Personality. Uma das pesquisas foi realizada com 738 pares de gêmeos adultos que viviam separados um do outro havia pelo menos um ano e meio. Embora morando em ambientes totalmente diferentes, os gêmeos univitelinos, que têm o código genético idêntico, apresentaram o mesmo grau de auto-estima. Já os gêmeos bivitelinos, que não foram gerados no mesmo óvulo, desenvolveram graus de auto-estima diferentes. Outros estudos, feitos com filhos adotivos, também indicaram que a genética pode ter um peso considerável na auto-estima. Segundo as pesquisas, a auto-estima de crianças adotadas não é influenciada pelo comportamento dos pais adotivos. "Existe um conjunto de fatores que nos leva a crer que os genes exercem um papel crucial no desenvolvimento da auto-estima", disse a VEJA o americano William Swann, professor de psicologia social da Universidade do Texas e autor de vários artigos sobre o tema. "O que ainda não sabemos é quanto da auto-estima é formado pelos genes e quanto é resultado do ambiente. Quando tivermos essa resposta, poderemos tratar o problema da baixa auto-estima de maneira muito mais eficiente", afirma ele.
O primeiro passo para melhorar a auto-estima, segundo médicos e psicólogos, é identificar os comportamentos e as crenças negativas que foram construídos durante a vida. Coisas como acreditar-se incapaz de realizar grandes projetos, de conseguir um bom marido ou uma boa esposa e achar que subir na carreira e ganhar mais dinheiro é privilégio apenas das outras pessoas. A partir daí, é preciso questionar essas crenças. As que não contribuírem para uma vida harmoniosa devem ser limadas do comportamento do dia-a-dia. Segundo os psicólogos, são os pensamentos e as atitudes próprios – e não os eventos externos – que moldam os sentimentos. Assim, se um indivíduo tem uma visão distorcida e negativa de si mesmo, terá auto-estima baixa. Ter baixa auto-estima não significa, necessariamente, ter depressão, mas uma coisa pode levar a outra. "Uma pessoa com baixa auto-estima se enxerga de maneira negativa, mas consegue levar uma vida normal. Quem tem depressão, além dessa visão negativa, perde a motivação para viver", diz a psicóloga Eliana Melcher Martins, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Mas um indivíduo com depressão sempre tem auto-estima baixa, pois essa sensação de incapacidade é um dos aspectos que podem torná-lo depressivo", ela completa.
Existem seis regras básicas para elevar a auto-estima e ganhar confiança de maneira permanente. Elas funcionam a partir do momento em que se decide identificar as crenças negativas e se trabalha continuamente para modificá-las. As regras são as seguintes:
• Examinar o passado. Esse é um passo crucial para elevar a auto-estima. Ao fazer essa retrospectiva, é possível perceber que alguns erros do passado podem ser corrigidos e outros não. Ao deparar com o que não pode ser mudado, o melhor a fazer é aceitar a situação, esquecer esses erros e se concentrar apenas no que pode ser melhorado.
• Achar um meio-termo. Quem sofre de baixa auto-estima costuma seguir a linha de pensamento do "tudo ou nada", ou seja: se uma tarefa realizada não saiu perfeita, foi um tremendo fiasco. Há uma grande diferença entre dizer "Eu fracassei três vezes" e "Eu sou um fracasso". Segundo os psicólogos, é preciso se esforçar para encontrar um meio-termo. Uma tarefa que não saiu perfeita dessa vez pode ser melhorada no futuro.
• Dar um sentido à vida. Um estudo do Instituto de Envelhecimento da Universidade da Flórida concluiu que pessoas que dão um sentido à vida, prestando serviços comunitários ou investindo numa segunda carreira, se sentem mais satisfeitas consigo mesmas e apresentam auto-estima elevada e estável.
• Focar os aspectos positivos. A pessoa que sofre de baixa auto-estima tende a concentrar sua atenção apenas nos aspectos negativos de determinada situação. Se o chefe menciona os pontos fortes e fracos de um projeto apresentado, por exemplo, ela vai lembrar e remoer apenas as críticas, ignorando os elogios. Ao se concentrar nos pontos positivos, a percepção do indivíduo sobre a mesma situação muda para melhor.
• Comentar com a família e os amigos as realizações positivas. Um estudo publicado no Journal of Personality and Social Psychology, da Associação Americana de Psicologia, concluiu que alardear o próprio sucesso ajuda a reforçar a autoconfiança e a elevar a auto-estima e neutraliza os pensamentos de autodepreciação.
• Fazer ginástica. Vários estudos mostram que a prática regular de exercícios ajuda a elevar a auto-estima. Numa pesquisa da Universidade do Arkansas, nos Estados Unidos, um grupo de estudantes que começou a praticar exercícios regularmente passou a ter uma percepção mais positiva de si próprio. Outro estudo, da Universidade de Illinois, concluiu que a ginástica aumenta a auto-estima dos praticantes porque melhora a saúde e a qualidade de vida em geral.
Uma pesquisa concluída no ano passado pela filial no país da International Stress Management Association (ISMA-BR) constatou que os brasileiros possuem auto-estima baixa em comparação com os americanos e os franceses. O estudo foi feito com 760 brasileiros entre 23 e 60 anos de Porto Alegre e São Paulo. O mesmo número de pessoas foi entrevistado nos Estados Unidos e na França. Segundo a pesquisa, 59% dos brasileiros sofrem de baixa auto-estima, contra 22% dos americanos e 27% dos franceses. Em compensação, em matéria de otimismo, o brasileiro está nas alturas: 67% dos pesquisados disseram ser otimistas, contra 54% dos americanos e 49% dos franceses. "Apesar de terem baixa auto-estima, os brasileiros são os que mais têm esperança. Eles sempre acham que hoje está ruim, mas amanhã vai ficar melhor", analisa a psicóloga Ana Maria Rossi, coordenadora do estudo.
Durante a pesquisa, Ana Maria constatou que, para a maioria dos brasileiros, considerar-se bem-sucedido é uma atitude arrogante. Diz ela: "Existe no Brasil uma cultura de condenar quem se vangloria das próprias realizações e de enaltecer a humildade. Isso acaba por minar a auto-estima das pessoas, que começam a acreditar que não são merecedoras de seus feitos mais ambiciosos". A arrogância costuma ser confundida com auto-estima em excesso. O poeta e escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) dizia com a solenidade característica que "um erro grave é tanto se julgar mais do que se é quanto se estimar menos do que se merece". A moderna psicologia não aceita mais a idéia de que alguém possa ter auto-estima em excesso. Seria como ter saúde em excesso. Os complexos de superioridade e a arrogância pertencem a outra natureza. Uma pessoa com auto-estima elevada acredita que tem o controle da própria vida, sente-se confiante em lidar com os contratempos e almeja alcançar o sucesso na vida pessoal e profissional. Simples.
O paulista Ronaldo Yamashiro, de 34 anos, foi um adolescente tímido. Nunca conseguia uma namorada porque temia conversar com as meninas e ser rejeitado. Yamashiro só ganhou autoconfiança quando começou a praticar jiu-jítsu. "Fiquei mais forte fisicamente e isso me deixou mais seguro", diz ele, que está noivo de Marilys Sucena e se tornou professor de jiu-jítsu. |
A baixa auto-estima quase acabou com a carreira da modelo paulista Janaina Izzo, 30 anos. Ela era insegura, carente e compensava seus problemas comendo em excesso. A insegurança fazia com que não se empenhasse na profissão. "Achava que me faltavam atributos físicos e intelectuais, me sentia uma farsa, ficava ansiosa, comia muito e depois vomitava tudo", diz ela, que vivia faltando aos testes das agências. Janaina resolveu procurar a ajuda de um terapeuta quando chegou ao fundo do poço. "Com a terapia, comecei a perceber que era capaz de virar o jogo e ter sucesso na profissão que havia escolhido." |
A cardiologista alagoana Rosa Celia Barbosa foi mandada a um internato para crianças carentes aos 7 anos. Sentiu-se abandonada e entrou em depressão. Mais tarde percebeu que, se continuasse rejeitando sua condição, se tornaria uma pessoa amarga. "Precisei escolher entre dois caminhos: ficar me lamentando ou me apegar ao aspecto positivo da situação, o acesso aos estudos", ela conta. Rosa preferiu a segunda opção. Hoje, é uma das médicas mais conceituadas do Rio de Janeiro em sua especialidade. |
O DJ paulista Sidney Pereira, de 43 anos, teve uma crise de auto-estima no fim do ano passado, ao ter de fechar sua empresa. Na mesma época, sua mulher engravidou de Maria Carolina, a primeira filha do casal. "Eu tinha duas pessoas para cuidar e as coisas estavam indo de mal a pior. Passei a ter dores pelo corpo, acordava e não tinha vontade de fazer nada", ele recorda. Segundo Pereira, o apoio da família e dos amigos o ajudou a superar a crise. "Eu estava fragilizado e não tinha forças para me reerguer sozinho. Esse apoio foi fundamental para recuperar minha auto-estima." |
O diretor de marketing gaúcho Carlos Alberto Filho, de 44 anos, é gago. Na infância, teve de agüentar piadas de mau gosto que minaram sua auto-estima. Embora não gostasse de ciências exatas, cursou engenharia porque, nessa profissão, não precisaria falar muito. "Quando me formei, vi que aquilo não me faria feliz. Decidi então enfrentar o problema para superá-lo", diz ele, que largou a engenharia e se tornou vendedor. "Aprendi a me comunicar também com gestos e enriqueci meu vocabulário lendo muito. Hoje, dou palestras com foco em marketing e vendas." |
Com reportagem de Leoleli Camargo, Denise Dweck e Thomaz Favaro